Em novembro, comumente, ampliam-se as discussões em
torno de políticas de reparação. Os municípios realizam eventos culturais como
forma de valorização das tradições negras e pontuam uma sequência com meia
dúzia de ações isoladas consideradas reparatórias. Mas neste mês da Consciência
Negra, fomos tomados por um dado alarmante anunciado pelo Mapa da Violência
2015. Em um ano, morreram assassinadas 66,7% mais mulheres negras do que
brancas no Brasil. O dado revela que ainda temos que caminhar muito para
combater não apenas o racismo, mas também o sexismo.
Esta combinação cruel nos
mostra claramente que precisamos ampliar e fortalecer nossas políticas
afirmativas, fomentando a valorização identitária e a garantia do livre exercício da cidadania a
todos os cidadãos e cidadãs negras. Ainda sofremos com o preconceito! E as
agressões de internautas à atriz Tais Araújo, revelam que esse mal social não
está limitado às classes mais podres, mas sim, a todo um conteúdo histórico que
formata no inconsciente popular segregação racial nos diversos ambientes do
convívio: nos lares, escolas, ambientes de trabalho e até no ciberespaço da
internet. Precisamos de reparação!
Porém, estas ações inclusivas, que
ainda carecemos, devem ocorrer o ano inteiro e ocupar espaço em todos os
setores do urbano. Na economia, educação, política, qualificação profissional e
turismo o povo negro ainda é visto com o exótico a cultuar ou como símbolo de
uma suposta administração democrática, que muitas vezes utiliza as questões
raciais para construir manobras de dominação, como está fazendo agora a atual
gestão municipal. Para tentar implantar um projeto de lei do ITIV que favorece
construtoras, o município está utilizando da isenção de impostos a templos das
religiões de matriz africana, como um benefício que está assegurando aos
afrodescendentes. Este é um direito de qualquer templo religioso garantido pela
Constituição Federal Brasileira.
Contra esta forma de racismo velado, sarcástico e
demagogo temos que lutar. São estas ideologias alienantes que permitem
sutilmente a propagação das diferenças étnicas em todos os cenários do
cotidiano. Nos postos de trabalho elevado, nos bons restaurantes, nos teatros,
nas grifes dos shoppings centers e até no carnaval, cujo ritmo é negro, ainda
vivemos um apartheid. E agora estão utilizando do sagrado como manobra de
dominação. Mais respeito às tradições e valores afrodescendentes; menos
demagogia.
Como percebemos, a questão é muito mais sensível do
que podemos conceber. Os programas de cotas, as leis específicas, as
secretarias e órgãos de proteção voltados para a comunidade negra têm um papel
fundamental na promoção da igualdade racial, mas sozinhos não resolvem o
problema. Precisamos pensar a questão de forma integrada e multidisciplinar,
principalmente levando os debates para a educação infantil. Se tomarmos como
base a história, geografia e economia de nosso país e, especialmente da capital
baiana, que tem 80% da população de negros, constataremos que a maioria pobre,
moradores das favelas e que ocupam
postos de trabalho com baixa remuneração são afrodescendentes.
Portanto, entendemos que políticas sociais, como
Bolsa Família, Prouni, entre outros sistemas de crédito universitário, o Minha
Casa Minha Vida são de fato ações reparatórias. Não precisamos de estatísticas
para saber qual grupo étnico tem sido mais beneficiado com estes programas;
basta darmos uma volta nas regiões mais pobres de Salvador, e veremos que a cor
da periferia é negra. E ainda assim a minuta de lei do Plano Diretor de
Desenvolvimento Urbano (PDDU) que o município está prestes a enviar para
apreciação da Câmara Municipal de Salvador só reserva três parágrafos para a
questão racial, das quase 600 páginas que compõem o documento. E assim a gente
constata o descaso com a questão racial e a propagação das políticas
oportunistas utilizando das fragilidades sociais.
Contudo, as ações reparatórias que pontuamos, todas
elas criadas pelo governo petista, por sua vez, cumprem os objetivos da Década
Internacional Afrodescendente, delimitados pela Organização das Nações Unidas
(ONU), que consistem na promoção do reconhecimento, justiça social e
desenvolvimento. Ao promover educação superior, moradia digna, qualificação
profissional e o incentivo ao cuidado com a saúde da mulher e a permanência das
crianças nas escolas, que são prerrogativas do Bolsa Família, o governo petista
atua na proteção e realização dos direitos e liberdades fundamentais
de afrodescendentes, reconhecidos na Declaração Universal dos Direitos
Humanos.
As políticas de promoção de igualdade não podem
estar limitadas à disseminação do toque do afoxé e a exibição de rodas de
capoeiras em eventos turísticos nem a discussões pontuais sobre liberdade de
culto. Não podemos mais tolerar isso. Reparação significa
pensar em estratégias integradas que fomentem de modo natural a igualdade racial.
Negro não é o exótico turístico do Carnaval, negro é cidadão!
Vânia Galvão,
Líder do PT na CMS;
Presidente da Comissão de
Reparação da Casa.
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